O Brasil é um país profícuo em bons atores. Alguns ganham da opinião pública o status de grandes atores. Há os grandes que, irrequietos, aventuram-se pela direção artística e pela dramaturgia. Poucos são os que conquistam o respeito dos colegas e do grande público. José Wilker (1944-2014) foi um que transitou com maestria entre todas essas artes– e cujos trabalhos emocionaram plateias e telespectadores país afora. O público vai poder conhecer um Wilker só visto por aqueles que compartilharam da intimidade desse artista: o leitor. Em se tratando do criador que ele foi, um leitor voraz cujo gosto o levava a temas como Teatro e Cinema, do seu métier, e a assuntos como História, Ciências Humanas e Exatas. Sua curiosidade e o ecletismo do seu gosto levaram-no a compor uma biblioteca com mais de 7 mil títulos. Esse acervo foi doado por suas filhas, Mariana Vielmond e Isabel Wilker, ao Museu da Imagem e do Som (MIS), que o recebe em regime de comodato. E, através do edital “Retomada Cultural”, da Lei Aldir Blanc, da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa (SECEC), começou a ser catalogado. O trabalho é coordenado pela pesquisadora Maria Sonia M. Pinho, especialista em Gestão do Patrimônio Histórico e Cultural. O projeto, denominado de “Na cabeça do Zé”, vai suscitar também lives sobre temas relacionados ao acervo, como Teatro, História e Ciências Naturais. A catalogação começou no dia 25 de janeiro e a previsão é a de que seja concluída em abril.
Na casa onde passou parte da sua vida, numa aprazível rua no alto do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, a biblioteca era certamente a menina dos olhos de José Wilker. Em pouco tempo ela ficaria pequena para tantos livros. Eles se espalhariam por outros cômodos, incluída aí a escada que levava ao segundo andar do imóvel. Era num sofá da sala onde ele entregava-se à leitura. Ter um livro em mãos poderia estar relacionado à preparação para um trabalho – tanto do ator quanto do diretor – ou ao simples prazer de ler, fosse por diversão ou passa-tempo. Wilker tinha sempre a tiracolo uma caneta, com a qual sublinhava trechos que lhe interessavam. Tais destaques chamam a atenção em obras dedicadas a grandes atores como Cacilda Becker (“Uma atriz: Cacilda Becker”, de 1995) ou Paulo Gracindo (“Um século de Paulo Gracindo”, de 2012).
Reza o dito que uma biblioteca espelha aquele que a formou. No caso de José Wilker, ela é tão multifacetada quanto o artista que ele foi. Em se tratando do acervo de um homem de teatro, a equipe já encontrou edições de obras fundadoras do teatro enquanto manifestação de arte, caso dos dois tomos que reúnem as comédias e tragédias de autores clássicos como Sófocles e Eurípedes. Já veio à baila muita coisa relacionada a William Shakespeare, fundador do teatro moderno (assim como Cervantes inaugura o romance com seu “Dom Quixote”), desde seus dramas, passando por estudos sobre seu teatro culminando em biografias do bardo.
No âmbito do cinema, Wilker não fez por menos. Há títulos sobre grandes cineastas e obras (muitas, aliás) sobre Marylin Monroe, atriz cuja beleza fez (ou melhor, virou) a cabeça de muitos homens da geração de Wilker. Um dos livros traz imagens dos tapetes vermelhos (red carpets, como são conhecidos) pelos quais os concorrentes ao Oscar passam antes de cada cerimônia. Detalhe: os registros vão de priscas eras aos dias de hoje. Um livro desses pode parecer frívolo, não para José Wilker. Importante lembrar que ele foi o comentarista oficial das transmissões da premiação pela Rede Globo.
O acervo vai (muito) além de revelar o gosto do cinéfilo ou o do “bicho de teatro”, como a classe se refere a alguns atores. Chama atenção o grande volume de livros voltados a períodos diversos da História da Humanidade, em especial sobre a Idade Média e a 2ª Guerra. Há também os que revelam o respeito que tinha por seus admiradores. Um dos livros encontrados lhe foi dado por uma fã e trazia no seu interior a carta que acompanhou tal presente. Sem falar nas obras com dedicatórias de grandes nomes da nossa Cultura, como a do imortal Carlos Heitor Cony (1926-2018) e a do diretor de fotografia Walter Carvalho.
Ao fazerem com que esses mais de 7 mil títulos fiquem numa mesma instituição (feito inédito no Rio de Janeiro), suas filhas fazem mais do que perpetuar a memória do pai: jogam luz sobre esse homem com quem conviveram de perto. Esse artista tão versátil era também um homem de paixões. Os livros eram senão a maior delas, uma das mais importantes. Certamente uma das molas mestras da sua vida. Viva José Wilker!
Equipe do projeto:
Idealização e Coordenação: Isabel Wilker e Mariana Vielmond
Coordenação de Catalogação: Maria Sonia M Pinho
Equipe de catalogação: Ana Paula Palhares, Desiane Silva, Lucia Helena, Marina Mainhard e Sarah Braga
Mídias Digitais e Programação Visual: Guilherme Fernandes
Direção de Produção: Ana Paula Abreu e Renata Blasi
Assistente de Produção: Nicholas Bastos
Produção: Diálogo da Arte Produções Culturais
Realização: MI Produções Artísticas