Novas relações após a viuvez inspiram novo livro de Yvonne Bezerra de Mello. A autora costura relatos pessoais aos de 100 mulheres acima dos 60 anos, de diferentes classes sociais. O resultado é um livro tocante e capaz de cativar a todos
“A viuvez me ensinou a ser tolerante com os outros. A morte me ensinou a apreciar a vida” (Yvonne Bezerra de Mello)
O verbo acolher acompanha há muito a trajetória da educadora e escritora Yvonne Bezerra de Mello. Prova disso é o Projeto Uerê, criado por ela e atuante há 22 anos. A ONG é um dos muitos fatos que marcam sua vida. Outro fato remete ao ano de 2010, quando, na véspera do Natal, a morte levou seu companheiro, o empresário Álvaro Bezerra de Mello. Yvonne viu-se tendo de enfrentar uma condição até então inédita para ela: a viuvez. O luto é, para muitos psicanalistas, um processo. E, como tal, impõe a quem o vive etapas, cada uma com suas peculiaridades. No Brasil, o número de mulheres viúvas é maior do que o de homens, estando 55% delas acima dos 70 anos. A autora viveu o seu luto tendo o amparo da família, de amigas próximas e de obras literárias – de poetas e filósofos, sobretudo. E sentiu falta de uma literatura que abordasse a questão de maneira menos teórica e impessoal. Yvonne ouviu ao longo de um ano cem outras viúvas, e a partir dessas conversas, presenciais ou remotas, surgiu um novo projeto, também acolhedor. “Relações tardias” (Editora Batel), oitavo livro da autora, é prefaciado pela jornalista e escritora Ana Arruda Callado e tem a orelha assinada pela jornalista Anna Ramalho – ambas viúvas empoderadas. A obra chega às livrarias em dezembro.
O lançamento de “Relações tardias” vai acontecer de forma remota, como manda o protocolo atual. A autora dará entrevista a Ricardo Cravo Albin, quinta-feira (17), na Argumento, e o bate-papo será transmitido pelo Youuube (https://youtu.be//pvLt6p-4ZoM).
O luto é, como dito, um processo. E também um caminho a ser trilhado. A distância a se percorrer varia de acordo com os elos que ligavam quem partiu a quem ficou. Essa estrada tanto pode ser uma Via Crucis quanto levar a uma Santiago de Compostela – no sentido de trazer autoconhecimento. E Yvonne Bezerra de Mello conhece bem as duas caras dessa moeda. E o leitor é seu cúmplice e parceiro nessa jornada. Porque, de forma corajosa, Yvonne revisita e expõe, sem poupar a si própria, feridas hoje cicatrizadas. O clima é o de uma conversa franca como se partilhássemos da sua intimidade – o que de fato acontece.

O livro estrutura-se em dez capítulos, tendo cada um deles um tema a ser explorado pela autora. Cada dissertação ampara-se em relatos pessoais, que encontram eco nos dados obtidos nas entrevistas e são fundamentados ainda pelas palavras de autores universais, muitos deles poetas, como Fernando Pessoa ou Pablo Neruda – e a autora ainda aguça nossa inveja ao revelar ter conhecido pessoalmente este último.
E, no decorrer da leitura, acompanhamos cada dilema vencido por essa mulher. São situações que envolvem desde o momento propício para arrumar os pertences a ceder – ou não – aos convites para sair e, voilà, conhecer alguém. E vibramos a cada etapa vencida. E nos divertimos (por que não?) com situações como a reprimenda por ela acompanhar o ritmo de uma música num aniversário ou a ocasião que envolve os porta-retratos no quarto de dormir. E não entro em detalhes para não fazer spoiler.
Mas entrego que o final é feliz. Um dos últimos autores por ela evocados é Carlos Drummond de Andrade. Do poeta mineiro ela cita trecho de “Amor e seu tempo”, no qual o escritor diz que o “Amor é privilégio de maduros”. Para arrematar esse release só me resta subverter aquilo que o poeta marotamente sugere em “O chão é cama”. No caso, a proposta a se fazer aqui não é obscena, ainda que prazerosa: vamos à leitura do novo – e pungente – livro de Yvonne Bezerra de Mello?
Boa leitura a todos!
Relações tardias
Autora: Yvonne Bezerra de Mello
Editora Batel
176 páginas, 14 X 21cm
R$ 49,00
ISBN 978-65-87133-35-5